segunda-feira, 18 de julho de 2011

Artigo jornal "SERRAS DA MANTIQUEIRA" - julho 2011.

Um novo olhar na cidade e na roça: tradições e rupturas.
Só podem falar em permanências, tradições e cultura, aqueles que entendem as questões históricas das transformações, suas conexões com a contemporaneidade e os seus desdobramentos no contexto cultural. Desta forma, um tanto acadêmica mas coerente, existe um elemento que jamais poderá ser descartado: o conhecido “feeling”, ou seja, a percepção de que o mundo pode ser lido, melhor, quando a sensibilidade permeia o processo da análise.


É neste campo que percebemos a intrigante cadeia de permanências nos costumes, no gosto, na estética e na banalidade do cotidiano de um lugar. Assim, perceber o encanto das tradições, sem se opor aos rigores das rupturas, muitas vezes carregadas de tiranias, porém algumas vezes bem-vindas em suas propostas equilibradas, nos permite novas leituras em novos focos, possibilitando ações corretas e transformadoras. O uso do coreto da praça, a preservação das festas de cunho “sacro-folclórico”, a organização de novos eventos, o resgate das romarias, a propagação da literatura, da música, do teatro, das cores e das formas, das tintas e das novas superfícies, da nova culinária e das velhas iguarias, o caminho dos tropeiros e as trilhas naturais, só poderão contribuir, com harmonia, para o desejado desenvolvimento sustentável, seja ele no caráter da preservação, seja no campo da inovação. Só se preserva um bem, da cultura material e imaterial, quando se revitaliza os espaços, ou mesmo as tradições. Esse é o caminho para a efetivação e manutenção do patrimônio cultural.

A roça, tantas vezes esquecida pelo complexo de ações urbanísticas, é um cenário (quase em extinção, principalmente nas sociedades, ditas, mais “desenvolvidas”) ímpar para esse criativo processo de investigação e de inovadoras propostas.

É no frescor, verdejante, dos altos das serras, dos campos em vales musicados aos sons das águas em quedas, que se pode constituir o palco, a atmosfera, para pensadores, poetas, artistas e caipiras se lançarem em projetos e movimentos culturais mais arrojados. Um privilégio merecedor de um programa de preservação.

A Mantiqueira é isso. Pode ser isso. Pode ser mais do que isso. São Francisco Xavier é mais um exemplo de potencialidade desta conjuntura. Nossa obrigação, enquanto gestores de cultura, instituições organizadas, formadores de opiniões, educadores, artistas, escritores, ou mesmo meros espectadores e apreciadores do bom e do belo, é trabalhar a cultura sem ferir a espontaneidade do entorno, focando manifestações catalisadoras de teor construtivo e mágico em parceria com a responsabilidade de adequar o universo urbano – no que ele pode contribuir nas trocas com a roça – na práxis oportuna, rumo ao desenvolvimento de mentes e saberes envolvidos na construção do conhecimento e na produção cultural. Desta forma convocaremos, com sabedoria, peões, políticos, moradores, turistas, comerciantes, boêmios, violeiros, Apas, trabalhadores, crianças, religiosos, investidores, ecologistas, estudantes, artesãos, jornalistas, homens e mulheres ao banquete “antropofágico” de saborosas iguarias artísticas para buscar nosso espaço na autenticidade dos valores locais e nas suas adequações, inovando com um panorama aberto para o “novo”. Um manifesto. Uma cruzada intelectual a serviço da comunidade como um todo através das especificidades dos seus principais agentes: circos, teatros, bares, galerias, festas, festivais, cafés, jornais, sítios, ranchos, palcos, praças, coretos, ateliês... da roça e da cidade.

CARLOS EDUARDO FINOCHIO

Professor Universitário de História da Arte, História do Brasil e Patrimônio Cultural;

Mestre em História Social pela PUC-SP;

Arquiteto; Artista Plástico